Diversidade cultural brasileira!

Na canção “Brasil mostra sua cara”, do poeta Cazuza, e no livro O que faz do brasil, Brasil?, do antropólogo Roberto DaMatta, a questão da identidade nacional está sendo tratada. Identidade, como já sabemos,  tem haver com herança social e legado cultural, os quais efetivamente possibilitam a transmissão cultural e podem ser compreendidos como processos que ocorrem ao longo da história, em que as gerações mais velhas transmitem às  mais jovens a cultura do grupo. A diversidade cultural é uma redundância brasileira, passível de debate e explicação. Quando falamos em cultura estamos nos referindo ao que é produzido pelas diferentes raças e etnias que possuem, em matéria de vida social, o conjunto de leis que regem o país, a moral, a educação-aprendizagem, as crenças, as expressões artísticas e literárias, costumes e hábitos. Enfim, é a totalidade que abrange o comportamento individual e coletivo de cada grupo, sociedade, nação ou povo.

A cultura faz parte da totalidade de uma determinada sociedade, nação ou povo. Esta totalidade configura o viver coletivo, são os costumes, os hábitos, a maneira de pensar, agir e sentir, as tradições e as técnicas utilizadas que levam ao desenvolvimento e à interação do homem com a natureza.

Mas afinal, como se forma a cultura brasileira? Como isso começa?  Ora ,com a chegada dos Portugueses e seu encontro com os povos que aqui já habitavam, os índios silvícolas, que viviam com sua visão de mundo e auto-suficiência e, somado a isso, os negros africanos, que foram trazidos para trabalhar como escravos no lugar dos índios brasileiros, que não se adaptaram a este tipo de trabalho.

Daí surge a união das raças que dá origem a um termo, o mito da democracia racial,  que constitui a mistura fisiológica e biológica. O conceito de raça  remete a estes temas e a falta de conflitos passa a ser um valor positivo desse “triângulo racial”. Foi Gilberto Freyre, importante sociólogo brasileiro, quem primeiro enfatizou esta visão positiva da mistura.

Sobre este tema ainda há uma questão dual. Por que esta democracia racial não se tornou social? Por que se coloca mais na cultura, do ponto de vista “informal”, (por exemplo, nas relações pessoais, na proximidade entre negro e branco, culminando na sexual), do que nas instituições políticas e num tipo de sociedade igualitária?

No Brasil, a complexidade de sua formação nos apresenta dois modos de classificação. Primeiro, o dos dados quantitativos: Número de analfabetos, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), renda per capita… Nestes, nossa identidade está sempre degradada, deixando a desejar. Uma outra classificação, mais sensível e qualitativa, pode ser verificada na comida deliciosa, na música envolvente, na saudade que humaniza, nos amigos… Assim, o Brasil precisa equilibrar a questão da modernidade, da política e da economia com a questão das relações pessoais e de cordialidade.

No Brasil, existe um fato sociológico que deve ser observado, a “aquarela” de grupos étnicos, constituída por meio da colonização e do fenômeno do “triângulo das raças” que, somada às imigrações, nos dá uma pluralidade de identidades caracterizada pelas diferenças. Por conta dessa variedade identitária, povos, tradições e diferentes grupos étnicos fizeram com que ocorresse, em nosso país, um processo chamado de etnicidade. Por isto, podemos entender a mobilização de alguns grupos étnicos em defesa de seus direitos, valores de grupo e identidade sociocultural. Alguns exemplos são: política de cotas e direito ao território indígena e quilombola.

Por mais que nos agrade a tese da democracia racial, ainda esbarramos, muitas vezes, em uma prática etnocêntrica, ou seja, na intolerância ou em um racismo velado que praticamos na medida em que não reconhecemos historicamente a importância e contribuição de todos os povos para a formação de nossa etnia brasileira. Quando dizemos “não” às políticas afirmativas, estamos praticando um “racismo à brasileira”. Na verdade, enfatizamos a visão positiva da mistura das raças, que é definida na pessoalidade e dentro de alguns sistemas de sociedade (sincretismo religioso, cordialidade, carnaval, futebol, etc.) e na própria miscigenação, e escondemos uma sociedade hierarquizada, que designa, para os povos que ajudaram a construir esta nação, um lugar sempre subalterno. Para tal, estas políticas visam ser medidas positivas, uma discriminação positiva, temporária, a fim de minimizar o racismo e a exclusão social.

O mito da democracia racial, através da miscigenação, foi uma forma de escondermos a injustiça social e histórica, cometida contra negros, índios e mulatos, que persiste no “Brasil quantitativo” até hoje. Na verdade, somos frutos de uma mistura de raças e etnias que deve ser repensada. No Brasil,  infelizmente, ainda podemos situar as pessoas pela cor da pele, pelo dinheiro, pelo poder que detêm, “pela feiúra dos rostos”, pelos seus pais e o nome de família (Você sabe com quem está falando?), ou pela conta bancária. É claro que também podemos defender a democracia racial, como faz Caetano Veloso, na música  abaixo:

Nasci num lugar que virou favela
cresci num lugar que já era
mas cresci a vera
fiquei gigante, valente, inteligente
por um triz não sou bandido
sempre quis tudo o que desmente esse país
encardido
descobri cedo que o caminho
não era subir num pódio mundial
e virar um rico olímpico e sozinho
mas fomentar aqui o ódio racial
a separação nítida entre as raças
um olho na bíblia, outro na pistola
encher os corações e encher as praças
com meu guevara e minha coca-cola
não quero jogar bola pra esses ratos
já fui mulato, eu sou uma legião de ex mulatos
quero ser negro 100%, americano,
sul-africano, tudo menos o santo
que a brisa do brasil briga e balança
e no entanto, durante a dança
depois do fim do medo e da esperança
depois de arrebanhar o marginal, a puta
o evangélico e o policial
vi que o meu desenho de mim
é tal e qual
o personagem pra quem eu cria que sempre
olharia
com desdém total
mas não é assim comigo.
é como em plena glória espiritual
que digo:
eu sou o homem cordial
que vim para instaurar a democracia racial
eu sou o homem cordial
que vim para afirmar a democracia racial
eu sou o herói
só deus e eu sabemos como dói

(O herói/Disco Cê/Caetano Veloso)

Desta forma, de maneira crítica, como o faz Caetano e Florestan Fernandes, em sua obra clássica A integração do negro na sociedade de classes, temos que fundar a democracia racial numa positividade jurídica que assegure a todos os brasileiros o direito básico de toda a igualdade: “o direito de ser igual perante a lei!’

Um povo, como disse Darcy Ribeiro, misturado, ora não definido! Sim, mas apesar das diferenças: brasileiro!

6 Respostas para “Diversidade cultural brasileira!

  1. muito interessante…
    Mas não acho que o sistema das cotas é uma forma de valorizar essas culturas, que por muitos anos foi excluída. Vejo como um sistema, onde o governo incapaz de proporcinar uma educação de qualidade, impõe alunos sem preparo para as exelentes universidades, deixando muitos alunos capazes, desfavorecidos.
    Concordo com o fato dessas etnias serem históricamente desavorecidas, mas na minha opinião, a solução viável seria o aumento da qualidade do ensino público no Brasil, para tentar colaborar para que exista uma idaldade perante os indivíduos.

    • robertomoscajunior1972

      Olá Vithoria,

      O sistema de cotas é uma política pública, ou seja uma maneira de compensação política, das injustiças históricas cometidas contra estas grupos. Podemos valorizar estas culturas nos debruçando melhor sobre sua importância, as tornando temas obrigatórios nas aulas de história, geografia e sociologia, entre outras maneiras.

  2. Mosca, parabéns pelo blog. Ótimo trabalho e proposta.

  3. Professor, achei muito interessante a matéria. vai cair na prova de amanha e não é só por isso que achei legal. Gostei da postura de afirmar que antes de serem negros, índios ou mextições os brasileiros formam só uma sociedade, da qual fazemos parte e legamos cultura dessa miscigenação.
    E é sob esse olhar e pensando em leis nacionais de “proteção ao negro”, como o Ministério de Proteção Racial e a Política de Quotas, que vejo que com isso não temos somente de criticar o que é proposto, mas entender que um dia eles formam junto a nós a Pedra Basilar da sociedade que é a UNIDADE DO CONTRASTE, como já havíamos discutido em sala.

    Obrigado professor e parabéns pelo blog que nos ajuda a estudar para a prova e mais a pensar na verdadeira realidade em que vivemos.

    Abração

    • robertomoscajunior1972

      Evandro,

      Não sei se entendi bem seu comentário. Vamos lá, a reflexão é a seguinte, para conseguir a unidade temos que superar as diferenças que tem haver com o formato de nossa perspectiva histórica…a política de cotas e ministério que cuida de assuntos de “minorias” não são a solução final, mas é um passo importante progressista, o problema é que não podemos parar por aí se quisermos construir um Brasil mais justo e unificado em torno de uma identidade brasileira.

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